Japão de dentro pra fora - parte 3: Rango
- Lucas Ohara
- 14 de nov. de 2024
- 4 min de leitura
Atualizado: 15 de nov. de 2024

Você já chorou enquanto comia alguma coisa? Eu nunca pensei que fosse passar por essa situação, mas aconteceu.
E não foi um chorinho, não, foi soluçado!
A ponto de outras pessoas olharem estranhando e a Bruna pensar que alguém ia vir perguntar se tava tudo bem (risos). Mas o que é que eu posso fazer? A coisa simplesmente bateu totalmente incontrolável. Mas imagino que, agora, você deva estar se perguntando: o que foi que me fez chorar assim?
Eu cheguei no Japão mega empolgado com o que eu ia encontrar. Mais do que isso, cheguei letrado, pesquisado e com listas de restaurantes, pratos e iguarias
que eu queria provar. Tive inclusive que controlar a ansiedade porque, antes mesmo de chegar, eu já sabia que não ia dar pra comer tudo. E de fato, não deu... o que nem de longe foi uma frustração. Muito pelo contrário! Estar todos os dias de frente pra tudo o que eu mais amo comer
no mundo foi uma experiência muito mais profunda do que eu esperava. Exatamente como em Ratatouille, em quase todas as refeições os sabores me transportavam para minha infância. Temperos da minha avó… momentos na cozinha ou no tanque com meu avô

limpando ostra e carangueijo… as descobertas e experimentos gastronômicos com meu pai. E foi numa dessas viagens no tempo, enquanto eu realizava o sonho de provar tipos de uni diferentes, em um bowl absurdo, mandando bala de colher que, depois de uma abocanhada, num piscar de olhos me vi no balcão da pia da cozinha dos meus avós. Na minha frente, eu só via meu avô, temperando um potinho de uni e me dando pra provar. Nunca vou esquecer: eu, com meus 6, 7 anos, coloquei aquela colherzinha de café na boca sem pensar duas vezes. Como aquilo era bom!! Automaticamente, sorri e pedi mais, ao que meu avô devolveu um sorriso dizendo: “Sabe o que é bom, né?”.
Gosto e paladar são coisas que a gente pode treinar, mas que em boa parte das vezes também nascem com a gente. Minha paixão absoluta pelos sabores da comida japonesa, por exemplo, existem desde que me conheço por gente. "Tá, mas você tem descendência, comeu desde cedo"... claro, isso certamente tem a ver, só que mais do que isso, eu sinto como se eu tivesse uma predisposição genética, sabe? No Japão, durante todas
as refeições que fizemos, meu corpo parecia explodir de alegria. É algo completamente maluco que eu nem sei explicar. Minha digestão era sempre tranquila, eu me sentia mais disposto e com mais energia, além de, claro, não ter exisitido um dia sequer em que eu tive problemas para escolher o que comer ou me cansei de uma ou outra coisa. Tudo me dava muito prazer.
Estar no Japão, conhecendo o sabor “real” de tudo o que eu sempre amei, foi uma loucura. Eu realmente fui pro Japão para comer. E certamente voltarei pra isso também. É engraçado o que eu vou falar agora, mas saborear cada prato e iguaria me dava a sensação de estar honrando o legado da minha família. Não à toa, meu pai recebia updates instantâneos de absolutamente tudo. Não à toa, seu Heitor e dona Reiko não saíam da minha cabeça. E foi lá que aquela frase do meu avô ganhou outro sentido: “Sabe o que é bom” é diferente de aprender a comer. Quem sabe, sabe. E eu nasci com esse preset instalado dentro de mim.

Curiosamente, foi essa característica vinda de fábrica que me proporcionou também algumas das trocas mais bonitas da viagem. Muitas vezes, iguarias
ou pratos não muito populares entre turistas ficam escondidos nos menus exclusivamente em japonês. Perguntar sobre algo como Shirako (esperma
de peixe) ou Natto (soja fermentada) com pasta
de inhame e quiabo, fazem qualquer japonês
se interessar: “Você vai querer isso mesmo?”.Pedindo esse combo de comidas gosmentas como o Natto com inhame e quiabo, a atendente e outras pessoas da cozinha vieram me assistir comendo, num misto
de intriga e orgulho. “Essa mistura está no coração
de todo japonês”, ela me disse. Em outra troca, essa já num restaurante de sushi (e na refeição mais incrível da viagem no Sushi Satake), o chef nos acompanhou sabendo todos os processos
da etiqueta de um restaurante de sushi dessa
classe. Ao final, trocamos. Ele querendo saber de onde éramos e, quando contei que era descendente, ele respondeu: “É muito bonito quando os jovens voltam para conhecer
as origens por aqui”. E foi mesmo. Lindo. Mágico. Inesquecível… e com gostinho de quero mais.
Só de lembrar de cada prato que provei, cada restaurante, cada tempero, cada descoberta, meu coração já bate diferente. Dentre todos os mergulhos que acabei dando ao viver de perto toda a cultura japonesa, acho que a parte da gastronomia foi a que acendeu a maior faísca de todas. Se você está lendo esse texto agora é porque algo me fez voltar a ter o que dizer. Depois de anos tão difíceis e de tantas dúvidas e de questionar o minhas habilidades e aptidões, eu hoje me sinto caminhando em direção ao novo (velho) prazer que vai me guiar daqui pra frente. Falar sobre comida é algo que vai muito além. Está na minha essência, na minha história e no meu sangue e eu sinto que é para essa direção que eu deva dar os meus próximos passos...
[NOTA PARA QUEM VEIO AQUI QUERENDO AS DICAS DE RESTAURANTES]
Queridos, quem já está aqui tem tempo, sabe que as indicações existem, mas geralmente ficam em segundo plano. Mas isso não quer dizer que eu vá esconder o ouro kkkkkkkk Aliás, eu vou fazer melhor! Em breve, posto a única dica que você vai precisar antes de escolher onde comer no Japão. Aguardem...
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