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Japão de dentro pra fora - parte 1: Raízes

  • Foto do escritor: Lucas Ohara
    Lucas Ohara
  • 6 de nov. de 2024
  • 3 min de leitura

Começa hoje, aqui no Além do Rango, uma sequência de QUATRO textos breves sobre minha viagem ao Japão. São observações que misturam tudo o que eu vi, vivi e senti enquanto estive por lá! Espero que gostem ;)



Na vida são várias as maneiras da gente se descobrir, redescobrir, se encontrar ou se compreender. E muitas vezes elas rolam em experiências que a gente nem espera. Ao contrário disso, alguma coisa em mim sempre dizia que pisar no Japão ia ser uma experiência transformadora. Eu tinha pra mim que seria muito interessante perceber costumes ou pontos de vista que nasceram comigo (e que aqui no Brasil sempre foram tidos como algo "diferente") numa esfera de lugar comum. E de fato foi por aí que a coisa começou a bater. Mas a real é que essa sensação era só a pontinha do iceberg.


Tão logo eu pus os pés pra fora do avião, comecei a ser tomado por uma paz de espírito deliciosamente estranha. Ali, naquele caos de chegada de um voo enorme, cheio de estrangeiros, fazia-se notar o jeitinho japonês de existir, com sua organização, processos, somado à noção do quão solícitos e educados (até para dar bronca) todos os funcionários estavam dispostos a ser. 


Nunca vou esquecer inclusive de uma saída lotada de um trem do metrô de Tóquio em que todas as pessoas, ao invés de digladiarem por um espaço na escada rolante, formaram uma longa fila única. Independente o quão perto da escada tivessem desembarcado, todos iam para o fim da fila. Eu confesso que desacreditei de primeira e estava pronto pra entrar por ali mesmo de onde eu estava, quando a Buns (minha noiva) me chamou a atenção para o fato de que aquilo era realmente uma fila única. Foi então que eu percebi que justamente por todos respeitarem a organização, a fila andava muito rápido. Tão rápido quanto se não tivesse ninguém fila. Eu só conseguia pensar em como, no Japão, sempre o que faz sentido para o todo, sobrepõe a vontade individual.



Toda via, é claro que não foi a questão organizacional que me fez sentir um clique diferente aqui dentro. Até porque eu acho que sou um pouco bagunceiro as vezes (do tipo que se acha na própria bagunça da mesa de trabalho kkkkk). É tudo mais sobre o jeito de pensar e enxergar as coisas. Um viés de lógica que sempre me serviu de norte, ali estava sendo demonstrado na prática. Uma dinâmica de sociedade que eu sempre acreditei ser o óbvio, ali eu saboreava pra valer. E isso me fez transbordar de prazer. Tudo funcionava do jeito que tem que funcionar. 


Fui mergulhando nessas sensações e encontrando infinitos pontos em que minha cabeça parecia se sentir em casa. Mergulhei tão fundo e tão à vontade, que quando eu menos esperava, deparei com minhas próprias feridas. Pressão, autocobrança e vergonha da falha. Rigidez, ansiedade e a insaciável busca pela perfeição. Toda a tradição e filosofia japonesas, apesar de terem seu lado puro e racional, quando impostos sem abertura para questionamentos ou adaptações, também trazem consigo alguns efeitos colaterais, que podem atravessar gerações e gerações. Parando pra pensar, toda essa pressão social pelo sucesso tem um paralelo claro em qualquer lugar do mundo dentro da lógica capitalista. A sensação de viver num sistema velado de casta social, em que o ponto de partida e os insucessos são ditadores do futuro de cada indivíduo, se reflete tanto lá quanto aqui. Existe porém uma única diferença do restante do mundo para a cultura japonesa e que, de certa forma, vale para a grande maioria dos países asiáticos: a “honra” da família.



O termo, por mais antiquado que pareça, carrega uma tonelada de verdade. Família, como instituição, é um dos grandes regentes da cultura e filosofia japonesas e que está inclusive entre os pilares do Xintoísmo (Natureza, Purificação, Tradição, Família e Festivais). Decepcionar aos seus é algo que está fora de questão. Só de pensar na hipótese, o peito gela e a dor agulha fundo. A vergonha por não ser o suficiente é paralisadora. Não bastam as dificuldades impostas pelo mundo, o maior medo é de ser insuficiente para os olhos da família. Eu por muito tempo não soube identificar isso dentro das minhas próprias cobranças e talvez nunca tenha sido algo imposto a mim. Mas percebi ser algo que sempre esteve comigo. 


Independente disso, pelo bem ou pelo que tocou em feridas, foi tudo como se sentir terrivelmente em casa. Lidar com uma sociedade que está muito mais próxima das minhas dores e das minhas formas de amor, foi como finalmente ter um espelho para conseguir me enxergar. Entender de onde muita coisa vem, pra poder me compreender e me questionar. Tenho certeza que quanto mais o tempo passar, mais as coisas ainda vão assentar na minha cabeça. Mas o fato é que eu fui para o outro lado do mundo e acabei parando dentro de mim. 





 
 
 

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