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Japão de dentro pra fora - parte 2: Amor

  • Foto do escritor: Lucas Ohara
    Lucas Ohara
  • 11 de nov. de 2024
  • 4 min de leitura

Atualizado: 12 de nov. de 2024

O amor e o afeto “em japonês” têm camadas muito diferentes das que estamos acostumados, especialmente como latinos. Converse com qualquer descendente

de asiáticos sobre os tipos de afeto com os quais crescemos e você vai ter uma boa noção do que eu tô falando. Para além da ausência do físico, o amor está muito mais na ação

do que nas palavras. Como turista, a percepção desse carinho fica restrita aos contatos

que temos enquanto somos atendidos ou servidos. Ainda assim, é muito fácil de entender

e diferenciar esse tipo de tratamento do que é apenas um serviço bem feito.  


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Quem cresce recebendo um amor gestual, vai aprendendo a notar as delicadas nuances de intensão escondida em cada movimento. Aprendemos a decifrar

o quanto de afeto está sendo colocado numa ação ou, por que não, numa não ação, por exemplo. No Japão, não foram poucas as vezes em que nos deparamos com uma dose extra de intensão num serviço ou num atendimento. Deixa

eu tentar deixar um pouco mais claro... muitas vezes essa intensão fica guardada naquele "passo a mais". Está na maneira como embalaram as sobras do jantar para minha amiga levar para casa, fazendo uma bolsinha com o papel alumínio. Ou quando o atendente de uma loja de facas correu alguns quarteirões com meus amigos para que conseguissem chegar à tempo em uma segunda loja, tudo para garantir o desconto de imposto para turistas. E em ambas as situações,

tudo foi feito com sorriso no rosto. 


Todavia, é verdade também que aprendemos a notar quando o gesto é feito apenas por educação ou quando a obrigação social é maior do que intensão ( e isso reflete um pouco do que falei no texto anterior sobre “Raízes”). Ainda assim, sorte ou não, dentro das trocas que tivemos, os encontros cheios de afeto foram esmagadoramente maiores do que os por obrigação. E eu não tenho a menor dúvida de que tudo isso também se deu pela maneira como nos preparamos para a viagem. Conhecendo a dinâmica cultural da minha família

e com o mínimo de pesquisa, ficou claro que para ser bem recebido era preciso respeitar

a cultura local. 


Mas por que "estudar"? Bom, pra começo de conversa, o japonês não é um tipo de povo que gosta de explicar se algo está incomodando, ele apenas se irrita em silêncio (oi feridas do texto “Raízes” de novo). E seguindo a lógica, chegar “estudado” não é apenas

um gesto de respeito, mas de afeto. Bastava você demonstrar que sabia como se portar

ou se esforçar para se comunicar em japonês, para as experiências virarem da água

pro vinho! Foi assim em todos os atendimentos, taxis, duvidas no metrô, nos museus e até durante os jantares onde existe uma etiqueta para comer sushi ou até ramen. Eles sentem profundamente todas as vezes em que você faz questão de demonstrar conhecimento

e apresso pela cultura e costumes, e te celebram por isso. Do jeitinho deles, é claro.

Não vá esperando necessariamente uma grande festa, mas eu garanto que você vai sentir

o sorriso e o carinho em todas as trocas e ações que vierem na sequência.



Um outro exemplo de como eles mesmos entendem os gestos como demonstração absoluta de carinho foi durante o curso de sakê que fizemos. Nossa guia foi incrível e super solícita. Ao final, pedimos uma foto para registrar e ela ficou super honrada. Estava na cara dela o quanto aquilo significava a ponto dela pedir para tirar uma com o celular dela também. Mais tarde, ela nos marcou num post em que contava orgulhosa sobre como nós gostamos do tour a ponto de pedir uma foto, e ainda disse que tinha passado no teste

de uma especialização de sommelier que estava fazendo então o dia dela ficou ainda mais feliz (fofa demais!).


Não há como negar: mesmo com os efeitos colaterais da total inabilidade em se comunicar ou verbalizar seus sentimentos, existe no amor fundamentado em atos, um nível muito maior de honestidade e profundidade. Algo na linha de: "não só fala, como faz"

ou na inesquecível fala do Batman do Nolan: "Não é quem você é por dentro, mas seus atos que definem que você é...". E assim, não me leve a mal! Eu, mais do que ninguém, posso cravar que a ansiedade que eu carrego hoje, certamente tem raízes nessa filosofia kkkkkkk Mas os atos são de fato muito mais verdadeiros do que palavras e promessas, tantas vezes soltas ao vento.


Mas, calma! Existe, porém, uma tradição ocidental que mistura palavras e gestos que vem crescendo entre os japoneses e que é símbolo do amor entre duas pessoas: o pedido

e cerimônia de casamento. Foi na terra do amor gestual, aliás, que eu escolhi realizar esse que é o mais simbólico dos gestos de amor, e pedi a minha noiva em casamento.

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De frente para a cinematográfica

e encantada Cachoeira de Shiraito, tivemos nosso momento delicioso e inesquecível, enquanto nossos amigos e a guia festejavam cheios de emoção. Um tempo depois,

em uma troca com um guia francês, descobrimos que, ainda que sem nenhum cunho religioso, o pedido e a cerimônia "ocidental"

de casamento são a opção de muitos japoneses.

Um celebrante, geralmente ocidental,

faz as honras, homenagens e fala sobre o amor

do casal. Em seguida, ambos fazem os votos

e depois partem para a parte da festa junto

dos amigos e da família.



Portanto, sim, o amor é uma linguagem universal. E sim, saber se comunicar e expressar

o que se sente são ferramentas mais do que necessárias para uma relação saudável. Além de claro, proporcionar trocas profundas e cheias de significado em um outro tipo de escala. Agora, ao ver japoneses optando por esse tipo de símbolos e celebração, fica claro

que apesar da falta de traquejo, eles sabem sim compreender e, sob certo esforço,

se expressar como nós fazemos por aqui. Mas... e o contrário? Pergundo pois uma das principais sensações que ficaram comigo desde que vivemos o dia dia desse amor gestual, é que o mundo todo teria muito a ganhar ao praticar mais amor nos atos e saber interpretá-los. Vivemos no tempo de muita falação e pouquíssima ação. De opiniões rasas, discussões vazias e sentimentos descartáveis. Pode parecer besteira, mas você há de concordar comigo: é mais fácil trabalhar na terapia as maneiras de se expressar do que ensinar

o mundo a agir com mais amor...


 
 
 

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